sábado, 9 de abril de 2011

A escola pede socorro

A tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, onde um ex-aluno executou a tiros 12 crianças e deixou pelo menos umas 12 feridas, trouxe o terror às famílias brasileiras. E a minha pergunta é a mesma feita em outro artigo publicado aqui neste blog: Lugar de criança é na escola?

Se ainda lecionasse diria que sim, pois precisaria acreditar nisso para continuar a trabalhar como educadora. Mesmo assim, longe das salas de aula, sofro com o que aconteceu e me transporto para Realengo.

Eu não lecionei na Tasso da Silveira, mas em uma escola próxima ao local do massacre. Na praça da Piraquara, hoje transformada em um campinho de futebol, fica a Escola Ramiz Galvão. Funcionando há mais de 50 anos, essa foi a primeira instituição de ensino público em que trabalhei, na década de 1970, depois de formada pela Escola Normal Carmela Dutra.

Naquela época o Brasil vivia sob o regime da Ditadura e Realengo, cercado de quartéis. Por conta disso, as escolas do entorno eram quase sempre visitadas pelos militares. Os soldados participavam de eventos cívicos, ajudavam na logística da festa ou tocavam na banda, para acompanhar os alunos nos hinos e canções.

Embora o Governo Militar não tenha investido na construção de mais escolas, e tampouco abastecera os alunos com material didático suficiente, a presença de uma autoridade no estabelecimento nos dava a sensação de que estávamos protegidos.

Por outro lado, apesar de gostar muito de Dona Cidéia, eu repudiava o modo pelo qual a diretora seguia o regime autoritário, impondo aos professores vários encargos escolares não comissionados, além de dobrar a jornada de trabalho na falta de docentes. Do mesmo modo, os alunos aceitavam os exercícios de aula, e de casa, como um dever a ser cumprido, não questionado.

Assim a rotina escolar transcorria mais ou menos em ordem, até que surgisse uma indisciplina dentro ou fora da sala de aula. Logo resolvida com uma suspensão, por três dias, dos alunos envolvidos. A atitude era apoiada por todos os segmentos (escola e família), uma vez que, a punição, fazia parte das normas estabelecidas pelo Regimento Escolar.

Apesar de a disciplina escolar ter sido rígido nesse período, as sanções não davam conta dos problemas sociais que começavam a afetar o comportamento dos estudantes. A história pessoal de vida dos alunos, assim como seus problemas psicológicos e afetivos, ficavam em segundo plano quando avaliados em habilidades e competências.

Nesse contexto, tive um aluno que trabalhava como catador de garrafas e, para isso, usava uma carroça puxada a cavalo. O adolescente logo se tornou vítima de bullyng e ganhou dos colegas vários apelidos pejorativos. O caso chegou à sala de aula e, na minha ausência, o aluno discriminado sacou uma lâmina de barbear da mochila e rasgou o braço de um dos provocadores.

O resultado dessa agressão foi suspensão de três dias para cada um. A conseqüência da punição foi de o provocador voltar para a escola, e seguir a sua rotina normal de estudante, enquanto o menino que sofreu bullying abandonaria a vida de estudante para continuar a trabalhar como carroceiro.

Á pedido meu, a escola procurou a família e solicitou a volta do aluno ao estabelecimento. A tentativa foi inútil, e tenho no meu currículo esta frustração: não consegui apoio necessário para devolver a dignidade de um jovem que foi vítima de intolerância e preconceito social. Os educadores não cumpriram adequadamente o seu papel.

Em momento algum estou aqui a justificar o ato de Wellington Menezes de Oliveira, o atirador frio que deixou o povo brasileiro chorando pela morte de suas crianças. O motivo que o levou a praticar tal massacre não poderia ser justificado apenas por traumas que ele teria sofrido durante o período escolar, e ao longo de seus 23 anos de vida.

O que se deseja entender é por que o ex-aluno da Escola Tasso da Silveira iria matar principalmente meninas, como se quisesse “limpar” algo sujo de sua vida. As pistas estão na carta que ele deixou, no computador e nos sites de relacionamento. Cabe aos investigadores descobrirem se tem mais gente por trás dessa paranóia, a fim de que outros massacres não aconteçam.



À Secretaria de Educação vai o meu recado: Venho há décadas reivindicando a presença de profissionais da área de saúde nas escolas públicas, além de agentes disciplinadores (volta dos inspetores), que possam dar suporte ao trabalho dos professores nessa difícil tarefa de educar. Além disso, exigir mais o comprometimento das famílias com o desempenho de seus filhos na escola.

Portanto, fechar o portão da escola, para evitar a entrada de estranhos, pode ser paliativo, mas não resolve. Wellington era bem-vindo, afinal era um ex-aluno. Colocar guardas municipais na entrada dos turnos, também ajudaria, porque seria mais um obstáculo a transpor.

Entretanto, se os valores absorvidos pelos jovens através da Internet, e pelos meios de comunicação, não forem discutidos e filtrados pelas famílias escola, toda a rede de segurança pública vai se estilhaçar frente à fúria de um psicopata.


Por Maria Oliveira

Publicado em Abril de 2011

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