segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ayrton, Senna, Beco

Como se constroi um mito

Escrever sobre mitos não é tarefa das mais difíceis. Tampouco é facilitado escrever sobre eles e fugir do lugar-comum. E com o brasileiro Ayrton Senna da Silva, vulgo “Ayrton Senna do Brasil” (segundo um de seus mais ardorosos fãs e amigos, Galvão Bueno) não é diferente. Seu aniversário já foi lembrado em 21 de março, data em que faria 50 anos de vida, mas a data que mais dói na memória da população brasileira é de sua morte, em 1º de maio de uma triste e chocante manhã de 1994, em uma época que não existia ainda esta xaropada de alemão prá cá, equipe italiana pra lá – o que sempre me pareceu frente de Segunda Guerra Mundial contra o mundo – e em um período que ainda vivia a esperança de que a vida era feita de vitórias emocionantes e heróis simples e comuns.

Senna se tornou ídolo por muitos motivos. Poderíamos enumerar as diversas qualidades de um piloto que nasceu em um berço já caiado de ouro, cresceu obstinado pela vitória e pela competitividade que corria em suas veias e ele assumia dia após dia, corrida após corrida e que não procurava dissimular, e também poderíamos citar os diversos episódios amorosos que permearam sua vida pessoal, que contribuíram também para atrair a simpatia popular por sua figura nem tão bela, mas que certamente era encantadora para mulheres do quilate de Xuxa Meneghel, Adriane Galisteu, Marcella Prado e diversas modelos e beldades que se derretiam ao seu lado. A verdade é que o cara era bom. Bom em diversas coisas, como milhares de brasileiros o são também. Era voltado para causas sociais, como muitos miliardários aqui também o são. Mas, afinal, como fez com que a idolatria a Ayrton alcançasse pontos tão altos e permanecesse por tantos e tantos anos praticamente intacto, até mesmo em países que não tem a tradição do chamado “circo” da Fórmula 1? Aqui, pretensiosamente, pretendo lançar algumas teorias.



Foi um cara legal. A maioria dos amigos insiste mesmo em dizer que era capaz de abrir mão de dinheiro para agradar a um amigo. Tinha obstinação por fazer bem melhor do que a média o que tanto apreciava - correr - e jamais escondeu a insatisfação quando não ganhava uma corrida, pois acreditava ser imbatível e procurava seus próprios recordes no setor. Ou seja, um brasileiro que podia fazer o que queria enquanto profissão, ganhava dinheiro com isto, ganhava prestígio e admiração, e ainda assim passava para a maioria dos seus fãs uma imagem blasé da vitória – a não ser pelo fato de convocar um sentimento nacional que boa parte dos brasileiros já não tinha mais, quando empunhava a bandeira brasileira a cada vitória que alcançava nas pistas - . Isto era uma reverência a todo o país, isto era uma homenagem a todos os “da Silva” como ele, e se algum dia este gesto foi idealizado como uma jogada de marketing, a emblemática mensagem subliminar que ele passava prendia e enchia de respeito e admiração o brasileiro médio, apenas acostumado com um esporte no país até então. E sabem o motivo disto?

Porque ele era rico, viajado, namorava mulheres de fama internacional, competia em um esporte com um perfil de elitista, tinha certa fama de “marrento” entre seus colegas de profissão, mas transmitia, com aquela bandeirinha em mãos, e o “tema da vitória” de fundo, um sentimento de vitória que alcançava simbolicamente todo e qualquer espectador que duvidasse de seu próprio potencial, e assinalava com aquele gesto que vitórias são possíveis em qualquer situação, seja com “chuva e pneus para tempo seco”, seja “com pouco combustível”, seja superando um cansaço físico evidente, ou seja superando aquele medo constante que todo o ser humano possui de superar os limites da morte em alta velocidade.



Em resumo, o que todos nós devemos ao Ayrton não é apenas a reverência a um ídolo desportivo que morreu no auge de sua carreira e que muitas glórias nos trouxe representando a nação. O que devemos à ele é bem mais do que isto, é uma sensação maior de que poderíamos ser campeões em tudo aquilo que quiséssemos, de que as curvas e os riscos inerentes à condição humana poderiam ser superados sempre com talento, maestria, simplicidade e uma certa dose de agressividade para nos levar adiante.

Como dizem vários fãs inconsoláveis, incluindo a mim, “as manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas”... nem voltarão a ser, sem aquele gesto simbólico carregado de si

Por Fernanda Barbosa
 
Pubicado em Abril de 2010 

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