segunda-feira, 29 de março de 2010

A arte de ensinar

Com a volta às aulas, em fevereiro, a Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro terá um novo desafio pela frente: colocar em prática o fim da aprovação automática, uma das promessas do prefeito Eduardo Paes. O assunto ocupou espaço na mídia antes e pós-campanha eleitoral, o que demonstrou empenho de todos os segmentos da sociedade em promover a qualidade do ensino público. Entretanto, há de se esclarecer sobre o verdadeiro papel do professor no processo ensino-aprendizagem, para que frases do tipo “professores não ensinam direito ou que a escola não ensina mais”, sejam evitadas por pessoas que não têm conhecimento de causa.

Segundo o educador Paulo Freire, o professor deveria se comportar como um provocador de situações, um animador cultural num ambiente em que todos aprendem em comunhão. Ele rejeita qualquer prática em que o aluno seja apenas um mero depositário do conhecimento. Esse sistema de ensino se caracteriza pela presença de um educador que ensina, mas não interage com o educando: reprova e resolve a vida do aluno com provas, notas e conceitos. Portanto, há uma grande diferença entre ensinar e fazer o aluno aprender.

Ensinar requer uma dose muito grande de paciência e afetividade para que a aprendizagem se realize. O professor consegue essa sintonia quando gosta do que faz e respeita o conhecimento do aluno, fruto do seu meio. Ao perceber que a escola considera, aceita e valoriza algum tipo de competência que ele traz de casa, além das tradicionais, esse aluno desperta a vontade de aprender. O desafio agora é fazer esse processo acontecer dentro desse contexto social em que a escola pública se encontra.

O grande contingente de crianças matriculadas na rede municipal vem de famílias carentes. Estas transferem para os professores suas funções de educar e cuidar dos filhos, uma vez que, em casa, todos trabalham o dia inteiro. Sendo assim, a falta de carinho e atenção dos pais produzem insatisfação nas crianças e jovens que respondem de diferentes maneiras. O baixo rendimento escolar e a violência física são exemplos de reações comuns nas escolas públicas. Não por acaso, os jornais mostram professores sendo agredidos por alunos e vice-versa. Sendo assim, não é fácil cultivar um ambiente favorável para ensinar, diante de tantos problemas socias e emocionais que precisam ser sanados antes de a criança ser matriculada.

Portanto, com o fim da aprovação automática, além de mestre, “tio”, pai ( nas horas vagas), o professor também decidirá sobre o futuro do seu educando. Talvez até recupere o “poder” de reprovar e “peneirar” a turma para ministrar melhor os conteúdos planejados. Mas ser juiz do próprio discípulo não seria julgar a si mesmo? Afinal , de quem é o aluno e por que o desempenho dele não foi suficiente para sua promoção? A família participou da vida desse aluno? Houve empenho da equipe pedagógica? O que faltou para que o professor acompanhasse periodicamente o seu desempenho junto ao aluno? Quais recursos a escola dispõe para apoiar o corpo docente e discente?

Como professora, que acompanhou várias mudanças de sistemas de avaliação - inclusive alfabetizei dentro do modelo de ciclos e progressão -, o meu quetionamento é o seguinte: com o fim da aprovação automática, não haverá risco de voltarmos ao velho problema da escolaridade incompatível com a idade, ou seja, alunos repetentes e com idades avançadas na mesma turma de iniciantes? Só para lembrar: aluno de escola pública não tem condições financeiras de pagar um professor particular para se recuperar. Portanto, se a Prefeitua do Rio pretende promover a qualidade de ensino derrubando a aprovação automática, não deve esquecer de investir na capacitação de professores e valorização do magistério. Presenteá-los com notebooks e verbas para compra de material pedagógico, não basta. É preciso também investir na recuperação da autoestima dos mestres que, em meio à crise de baixos salários e crescente desvalorização profissional, ainda são acusados de incompetentes. Dar apoio aos professores significa implantar serviço médico nas escolas, além de fonoaudiólogos e psicólogos. A volta dos inspetores disciplinadores também vai ajudar muito. Professores de artes, música e educação física são imprescindíveis para despertar no aluno suas múltiplas competências. Além disso, mexem com a criatividade e ajudam a disciplinar o indivíduo. Antes de reprovar o aluno com baixo rendimento, que tal transformar a escola em um ambiente propício que o faça aprender ?

Por Maria Oliveira - jornalista e professora aposentada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

 Publicado em Fevereiro de 2009

0 comentários:

 

©2009Espetaculosas | by TNB