Um Rio de chuvas

Eram sete da manhã quando eu seguia de carro pela Avenida das Américas. A via não estava completamente deserta, mas os veículos que nela circulavam pareciam vazios de condutores. Os ônibus sumiram do cenário como que banidos por obra do acaso. Não havia pressa, porque não havia o quê fazer e para onde ir. As poças d’água espelhavam a inércia que se abateu pela cidade. Ninguém na rua. Tudo parecia estranho, naquela terça-feira de abril, em que o Rio amanheceu chorando.
De forma sensata, peguei o primeiro retorno e voltei para casa. Nessa hora, ouvia a “áurea música,”da rádio MEC e, para mim, o sino que abre o programa badalou mais melancólico do que nunca. Nem a bela “Sonata número 1”, de Bach, executada pelo cravista Bruno Procópio, me devolveu o encantamento das manhãs. Olho para o céu e não vejo o revoar das aves desfilando em “V”, no percurso das lagoas para as ilhas. Por certo, gansos, pelicanos, biguás e grous deveriam estar em algum lugar seguro, esperando por dias melhores. Eles não arriscam suas vidas e sabem como se proteger. Daí o vôo em V, que proporciona aos integrantes do bando um melhor controle visual do deslocamento, pois em qualquer posição dentro desse esquema uma ave só teria em seu campo de visão outra ave, e não várias. Isso facilitaria todos os ângulos do vôo. Essa estratégia das aves é tão perfeita que os aviões militares de caça copiaram esse mesmo tipo de formação, justamente por terem melhor campo de visão para avistar outros aviões do mesmo grupo.
Pensei nessas aves que, prudentes, previnem-se de ventos fortes que possam afastá-las do rumo certo e do grupo. Então, imaginei como seria bom se os seres humanos também fossem mais solidários e menos individualistas. Pensei como seria mais fácil se os governantes de nossa cidade montassem um programa de prevenção contra enchentes que contemplasse a todos com o mesmo alcance do campo de visão que têm as aves que voam em “V”. Sendo assim, eles não olhariam o povo só por um ângulo, isto é, como eleitores, mas como gente que trabalha e precisa de uma moradia segura e digna.
Como os governantes não são aves - mas vivem voando por aí -, eles não se preveniram contra o aguaceiro que caiu sobre o Rio de Janeiro. Por conta disso, a chuva causou muitas mortes, devastou casas, deixou famílias desabrigadas. Além dessas perdas humanas, houve a perda material: o comércio não abriu as portas, a luz faltou, as escolas fecharam, os hospitais funcionaram precariamente, as rodovias estão em péssimo estado.
Como resolver esse caos? Dizem os antigos que “prevenir é melhor do que remediar”. Eles tinham razão.  E mais: “depois da tempestade vem a bonança”. Será? Acho melhor ter fé e rezar para São Jerônimo, protetor dos temporais, do que acreditar em promessas de políticos.

Por Maria Oliveira


Publicado em Abril de 2010

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