Para sempre Miss
Em 1954, o Palácio Quitandinha, em Petrópolis, abria as portas dos salões para mostrar as mais belas mulheres que representariam o Brasil no concurso de miss. Com a força de patrocinadores da linha de cosméticos e da indústria de maiôs, o evento foi ganhando repercussão na mídia e veio para o Rio na década de 1960. Desde então, tornou-se o segundo acontecimento mais importante do país, atrás apenas da Copa do Mundo de futebol.
No Rio o desfile passou a ser realizado no Maracanãzinho, onde as candidatas dos clubes de bairros concorriam primeiramente ao título de miss estadual, para depois a vencedora disputar o de Miss Brasil.
Nessa época os clubes locais promoviam os famosos Bailes de Debutantes, concursos de Rainha da Primavera e da Senhorita Rio. Eram eventos que mobilizavam organizadores e famílias inteiras em torno das candidatas que levariam o nome do clube às passarelas. E foi nesse mote que Maria de Lourdes Miranda Antunes Gomes escreveu sua história no concurso de Miss Guanabara.
Espetaculosas: De acordo com organizadores de concursos de Miss, “uma vez que a candidata é coroada será sempre representante do respectivo ano e lugar”. Não existe ex-miss. Portanto, onde, como e quando a sua história começou ?
Maria de Lourdes Miranda Antunes Gomes: Os dirigentes do clube de meu bairro, a Associação Atlética Florença, em Villa Kosmos, subúrbio do Rio, acharam que eu tinha perfil para representá-los no Miss Guanabara. Pediram permissão e me inscreveram com a promessa de acompanhamento em todos os compromissos oficiais do concurso, inclusive ajuda de custo para o vestuário. E assim foi, cumpriram direitinho o acordo. Quando cheguei à primeira reunião para conhecer as candidatas, me senti no Coliseu, cercada por leões! Como eu que era bem tímida, minha primeira vontade foi sair correndo. Depois que passou tudo, tive a certeza de que se me dessem pelo menos mais seis meses de preparo, me sairia bem melhor.
ES: Havia toda uma preparação para que as candidatas desfilassem com graça e elegância na passarela. Como foi passar por essa experiência?
MLMAG: Uma semana antes do concurso as candidatas ficavam concentradas em um hotel de luxo, cercada por profissionais como Dona Augusta da Socila. Além de cabeleireiros e maquiadores. Durante toda aquela semana ensaiávamos na própria passarela onde seria o desfile com a supervisão da Augusta, que tinha "mão de ferro" para ensinar a desfilar com elegância e postura. No dia do desfile, no Maracanãzinho, eu já estava preparada.
ES: Nas primeiras décadas do concurso de miss, o público torcia pelas candidatas com o mesmo entusiasmo que até hoje acompanham os jogos da Copa do Mundo. Qual foi a sua sensação em fazer parte de toda aquela festa midiática?
MLMAG: No dia do desfile foi maravilhoso ver a família toda torcendo. Uma farra! E já nos bastidores escutava-se o barulhão das torcidas. Sendo que, depois, ficamos sabendo que a "Miss" já era escolhida naquela semana de concentração no Hotel. Todas eram observadas pelos organizadores em tudo. Como sentar-se à mesa, caminhar, falar, gesticular e ser articulada. Achei muito justo porque não basta colocar um lindo vestido, uma linda maquiagem, desfilar lindamente para representar um estado e quem sabe o País, se não for bem preparada. Quando eleita, vem um montão de entrevistas para todos os meios de comunicação como rádio, TV e revistas e, se a representante não for bem articulada, o estado que ela representa já começa perdendo.
ES: Você foi candidata a Miss em uma época que não era comum o culto ao corpo. Ninguém malhava em academias e nem recorria a cirurgias plásticas. Como você mantinha a boa forma? Que medidas eram exigidas para chegar lá?
MLMAG: A exigência era ser magra, mas não muito. Eu tenho 1,66m e pesava 53 kg. O corpo era naturalmente malhado, não existia celulite. Pelo menos eu nem ouvia falar nisso, os frangos não tinham os hormônios de hoje (rsrs). No dia em que desfilaríamos de maiô, as maquiadoras passavam uma base nas nossas pernas para que ficassem mais bonitinhas. Todos os vestidos eram de estilistas famosos da época, o meu era do Nei Barrocas. Os tratamentos de cabelo e pele eram patrocinados pela indústria de cosméticos Helena Rubstein, que disponibilizava seus melhores profissionais para o evento. Era tratamento VIP mesmo.
ES: Mesmo não tendo vencido o concurso de Miss Guanabara, depois de passado o evento, você recebeu algum convite para trabalhar na área de beleza ou estética?
MLMAG: Sim recebi, mas não aceitei. Trabalhar em passarelas naquela época (1971) não era um emprego tão bem remunerado nem amparado por Lei como hoje. Eu já trabalhava na Standard Eléctrica, que era uma multinacional muito respeitada, dava muitas oportunidades para os funcionários. Então eu não troquei o certo pelo duvidoso, tinha receio de me jogar à sorte. Hoje não me arrependo.
ES: O que de bom essa experiência trouxe para sua vida pessoal?
MLMAG: Que mesmo já sabendo da importância da família, quando a gente fica longe sente uma falta danada. Senti muitas saudades quando fiquei concentrada naquele hotel acompanhada de uma representante do clube, que era a esposa do presidente, mas não era minha família. Quando tudo acabou, abracei um por um e tive certeza de que aquele foi o meu maior prêmio. Minha família à minha volta. E ficou a certeza de que, com dezoito anos, eu era uma menina tímida, cheia de medos e insegura para concorrer a um concurso daquele porte como era o Miss Guanabara.
ES: Os padrões de beleza mudaram ao longo dos anos e os critérios do concurso também. Concursos de miss não têm mais o glamour, nem atenção de antigamente. Como você vê essa mudança e que conselho daria para as garotas que querem se projetar por meio da beleza?
MLMAG: Mudanças e modismos vão existir sempre. Mas uma dica legal é ter por perto gente séria que quer vencer pelo trabalho e não pela trapaça. Existem meninas muito bonitas, o padrão até mudou bastante. Hoje não se valoriza tanto um rostinho bonitinho apenas, mas atitude, beleza exótica. E as leis estão cada vez mais severas para proteger o profissional que queira se projetar por meio da beleza, que é um trabalho duro e muito sério. Repito que é preciso ficar com os dois olhos muito bem abertos sempre e fugir das agências picaretas que se dizem sérias. Tem que denunciá-las e seguir em frente, sem medo de ser feliz.
Por Maria Oliveira
Publicado em Setembro de 2010