Meu pai


Meu pai morreu aos 50 anos, dois meses antes de começar a Copa do Mundo de 70. Ele adorava futebol e ansiava por ver o jogo da seleção canarinho, em cores, pela televisão. Não houve tempo. Sofreu um acidente de carro que o impediu de comemorar, ao lado de sua família, a alegria do tricampeonato brasileiro.

Começo a falar de meu pai, Hélio Brauns, e sua ligação com o futebol, porque foi nesse ambiente esportivo em que construí minha infância. Minha casa, em Vila Valqueire, era uma extensão do campo do Horizonte Futebol Clube, time fundado por ele em meado da década de 1950. Lá aconteciam as reuniões com os jogadores, e todas as táticas da peleja eram combinadas na varanda. Minhas avós criticavam muito aquela “movimentação de homens” na casa e até com certa razão: éramos quatro meninas e um só irmão nesse time. Mas minha mãe fingia que concordava com as matriarcas e apoiava o marido. Ela sabia da maneira correta com que ele conduzia suas duas equipes, dentro e fora do campo.

Nada de faltas desnecessárias e de confrontos agressivos. Era como papai advertia os jogadores para que ganhassem com técnica e talento, não apelando para jogadas sujas. Em casa, educava sem bater. Ensinava aos filhos os valores mais nobres como amor, humildade e respeito ao próximo, sem discurso, só na prática. Digo isso porque, ao abrir as portas de sua residência para jovens de diferentes classes sociais, independente de raça ou credo, ele dava exemplo de fraternidade e tolerância em um país tão desigual.

Papai era carismático sem saber. O dom vinha das atitudes, dos conselhos e da simplicidade ao tratar as pessoas. Seu Helio (centrismo) era reconhecido pela liderança espontânea, e o respeito que depositavam nele era extensivo à família. Sentíamos, pois, seguros ao redor dele. Desse modo, o legado que papai nos deixou foi além de um homem que amava sua mulher e seus filhos. Ele pensava também na boa convivência com os vizinhos. Tanto que, para estreitar os laços de amizade, promovia encontros festivos em ocasiões especiais.

Entretanto, nossa casa não era grande o bastante para tantos encontros. Por isso, papai teve a ideia de fundar um clube familiar na rua onde morávamos. Assim, ajudado por vizinhos, nasceu o Centro Social de Vila Valqueire. Foi nesse local que minha irmã Helielza, madrinha do Horizonte F.C, entregou uma flâmula do time ao ilustre João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Além disso, o palco do clube abriu suas cortinas para a garotada do bairro revelar seus dons artísticos na música, no teatro e na dança.

Com tanta habilidade de lidar com o público e privado, papai poderia ser um grande político. Porém, desse assunto ele queria distância. Tinha suas convicções políticas, mas evitava discussão acalorada sobre um partido ou candidato. Mesmo assim, um dia pude comprovar seu talento persuasivo. Pedi-lhe uma ajuda sobre um slogan para a campanha eleitoral do Centro Cívico Escolar (CCE). Tão logo embarquei na ideia sugerida por ele, convenci meu eleitorado de que minha chapa “reunia os melhores candidatos”. Vencemos as eleições e garanti o cargo de oradora do CCE até terminar o curso primário.

Meu pai acompanhou meus estudos só até a metade do meu Curso Normal. Faleceu antes que eu tivesse o privilégio de receber dele o anel de formatura. Na joia, havia uma estrela sobre o ônix significando “luz nas trevas”. Uma simbologia do magistério para enfatizar o papel do professor na construção do conhecimento. Para mim essa estrela teve outro sentido, e por sua luz eu conduzo a minha vida. Sou Helio (centrista) assumida.
 Por Maria Oliveira

Publicado em agosto de 2011

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