quinta-feira, 10 de junho de 2010

Guinga, um mestre de obras

Sensibilidade é a palavra que melhor explica o excelente resultado do trabalho realizado pela equipe Biscoito Fino para o DVD “Saudade do Cordão”, uma síntese da obra de Guinga. O compositor e violonista, que comemora neste mês de junho 60 anos, divide sua maestria com o clarinetista Paulo Sérgio Santos, e ainda traz as participações mais que especiais do baterista Jurim Moreira e do cantor Lenine.

Lançado em 2009, “Saudade do Cordão” é um trabalho inteiramente voltado para o fazer artístico. Pura arte que se manifesta em todos os sentidos: bom de se ver, ouvir, tocar e, por que não, de cheirar e degustar? Eis o aroma logo na primeira música, que dá título ao DVD e ao CD. Nela, as notas saltam do violão de Guinga como jatos de lança-perfume que enlanguescem todos ao redor. Enquanto o clarinetista faz a transposição perfeita para o tom melancólico que a ária merece, o baterista conduz o ritmo sem machucar o prato. E o espectador? Este se deixa levar para uma pracinha, onde tem coreto, um cordão de foliões e uma banda a tocar. Para completar tal profusão de sentidos, as lágrimas do compositor, no final da música, salgam nossa boca de saudade desse tempo.

Se no CD a música nos transporta para onde quisermos, no DVD esse sonho quase vira realidade pelas lentes do diretor de fotografia Fernando de Aratanha. Com um olhar atento, ele casa imagem com música para mostrar que letras e canções têm uma história a contar. Assim, enquanto Guinga toca “Senhorinha”, a câmera capta uma medalhinha de santa em sua blusa, ao mesmo tempo em que, ao longe, revela-se o verde exuberante das matas de Araras, em Petrópolis. Esta locação também serviu para as músicas “Cine Baronesa”, “Nem Cais Nem Barco”, “Sete Estrelas” - todas de Guinga e Aldir Blanc – e “Dos Anjos” (Guinga).

A criatividade dos responsáveis pela filmagem, incluindo Mário de Aratanha e Jeanne Duarte, não se perde no horizonte de Araras. Novos ângulos aparecem no DVD, como a escada do interior de uma casa onde Guinga e Paulo Sérgio Santos tocam “Catavento e Girassol”. As duplas imagens, que aparecem deles, ora num patamar da escada ora noutro, se assemelham aos paradoxos visuais de M.C. Escher. O limiar entre possível / impossível; verossímil / inverossímil - uma das características da obra do artista gráfico holandês -, se traduz em versos na canção: “Meu catavento tem dentro / O que há de fora do teu girassol / Entre o escancaro e o contido / Eu te pedi sustenido / E você riu bemol”.

O virtuosismo dos músicos se enquadra perfeitamente no estúdio de gravação. Neste, o foco está na maneira pela qual a arte circula na cena musical dos instrumentos que tocam. Em “Cheio de Dedos”, as imagens das mãos e dedos dos artistas se intercalam em perfeita harmonia. Quem é quem? No dizer de Paulo Sérgio Santos, “Arte é loucura, de certa forma, materializada”. Loucura que nos estimula a dançar em “Dichavado”, repetindo a dose em “Picotado”. Aqui, volta o ritmo gostoso da bateria de Jurim Moreira contracenando com o violão de Guinga. A participação especial do cantor Lenine ficou dividida entre estúdio e externas, para que ele interpretasse (lendo) a música “Saci” (Guinga e Paulo César Pinheiro) .

Para encerrar “Saudade do Cordão”, nada mais apropriado do que ouvir “Adeus, cinco letras que choram (Silvino Neto), na voz de Guinga. Mas, além das 19 músicas, o DVD traz ainda Extras com uma inédita “Porto da Madama”, inserida durante o bate-papo de Taraki de Souza com os músicos.

Por Maria Oliveira
 
Publicado em Junho de 2010

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