segunda-feira, 5 de abril de 2010

A volta do machão

O protótipo do machão da Idade Média era do herói guerreiro, aquele que abandonava a família e a cidade natal para lutar pelos seus ideiais, retornando só quando trazia o troféu por suas vitórias. Mesmo sendo viril e autoritário, esse homem se rendeu ao sexo feminino a partir de um código de honra que o transformou em um nobre de maneiras delicadas. Assim nasceu o "Amor Cortês". Segundo Flori (2005), a abordagem do amor cortês surge no início do século XII e difunde-se por todo o Ocidente cristão, trazendo uma nova dimensão a um mundo exclusivamente masculino e guerreiro. Para ajudar na sedução amorosa, a indumentária do homem passou a ser relevante tanto quanto ele precisaria ser forte e corajoso. Desse modo, o estereótipo do machão tende a mudar ao longo da História, graças a novos paradigmas resultantes de mudanças políticas, sociais e comportamentais que norteiam o espírito do tempo.

Dentro dessa perspectiva, em meados dos anos 1960, tais mudanças aconteceram de forma mais acentuada. A população do mundo era predominantemente jovem e antenada, graças ao rádio e à televisão, que transformaram o planeta numa "aldeia Global". O sexo passou a ser a ideologia que permeava o imaginário da época. Além de liberalizar-se na prática, o tema sexual era discutido abertamente e a pílula chegou para facilitar essa experiência. Uma vez que as pessoas se sentiam mais livres para pensar e conversar sobre sua vida íntima, novas possibilidades de mudanças surgiam. Papéis que até então só cabiam aos homens exercer, ou só às mulheres, passaram a ser comuns aos dois sexos. Como consequência dessa liberação, surge o movimento dos hippies. Na multidão, era impossível distinguir os homens das mulheres: ambos usavam calças jeans, brincos, anéis, cordões e fumavam. Alguém inventava o termo "unisex". Dentro dessa nova estética, o papel do machão foi tomando outra configuração. Do guerreiro-sedutor sobrou apenas o sedutor, que fazia sexo sem guerra, sob o o lema "Paz e amor". Uma das instituições mais desprezadas por eles era o casamento. Para os hippies, a mulher era considerada propriedade do grupo. O amor era livre. Com a aparição da Aids, o medo se tornou um freio ao erotismo espontâneo.

Apesar dessa transformação social radical, as pessoas continuam a casar de forma tradicional ou não, mas são poucas as uniões duráveis. Uma dessas mudanças passa pelo comportamento da mulher, que virou a página da história e foi à luta. Agora o guerreiro está desarmado, usa blazer, saia justa e pasta de executivo. Estudou, se especializou e busca cada vez mais espaço como cidadã do mundo. Hoje, a liderança da casa não depende mais de um chefe.. Tanta independência assim deixa muitos homens sem saber muito bem onde é o lugar deles. Outros, aceitam a situação e até assumem certas tarefas do casamento que outrora pertenciam às mulheres. O poder tem um papel diferente nesse processo, que deve ser compartilhado. Em outras palavras, a função do líder hoje é de encorajar todos a usarem "suas armas" em prol de objetivos afins. Contrariando essa lógica, está havendo uma busca incessante pela qualidade, seja em termos estéticos ou profissionais que, ao invés de servir para o bem comum, está individualizando cada vez mais as pessoas. Prova disso é a escassez de figuras masculinas fortes nas relações familiares. Não há chefes no comando lutando pela sobrevivência do grupo. Esse homem moderno, forte e musculoso, bem tratado, depilado, tatuado e lindo está solteiro, mora sozinho e não quer dividir seu salário, nem sua cama com ninguém. Ele é um guerreiro solitário. Prefere ficar "na sua" a disputar as dependências de seu "castelo" com uma mulher bem resolvida e independente econômicamente. Este é o arquétipo do homem do século XXI.

Entretanto, a sociedade parece clamar pela volta do machão ao cenário do mundo contemporâneo. Não aquele machão que surra a mulher, que faça imperar a opinião dele, que bata no peito e diga "quem manda na casa sou eu". Não! Mas é provável que a ausência de um ídolo, de um guia, de um líder possa fazer diferença nos dias de hoje. Talvez o sucesso de Marcelo Dourado, no BBB, seja porque ele trouxe à tona a imagem do homem corajoso. Polêmico, acusado pelo grupo da "casa" por homofobia, ele não se enquadra no perfil de metrossexual. No programa, tem-se a impressão de que Dourado está sofrendo uma discriminação às avessas, ou seja, os participantes estão incomodados com seu excesso de masculinidade. Para surpresa geral, até então, o público aprovou suas atitudes no jogo e o elegeu vitorioso.

Há, portanto, um constante movimento comportamental das pessoas que depende do contexto histórico, político e social em voga. Essse programa da TV Globo serviu para exemplificar a lógica dos meios de comunicação e a influência destes na realização do imaginário social. A grande diferença entre esses "heróis" - como são chamados os participantes do BBB pelo apresentador Pedro Bial -, e os guerreiros da Idade Média é que, aqueles iam em busca de suas conquistas e traziam como trunfo novas terras e riquezas para seu reino. Os "guerreiros" do BBB só precisam dar audiência para que a TV Globo continue reinando. Quem conseguir maior audiência vence e recebe como prêmio fama e dinheiro. Os que deixam a "casa" , têm a recompensa de reencontrar seus familiares e amigos numa festa televisiva. Além disso, são tratados como heróis por terem resistido ao confinamento a que são submetidos durante meses.

Por Maria Oliveira
 
Publicado em Abril de 2010

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