segunda-feira, 29 de março de 2010
Para uma criança que se foi
Eloá não ganhou presente dia 12...
Os acontecimentos da última semana me fazem refletir que não há mais espaço para a infância neste país. E olha que não me refiro aos inúmeros casos de prostituição infantil, pedofilia, ou trabalho escravo que, enchem as páginas dos jornais, servem de pauta para o horário nobre, mas nunca se acabam os relatos deprimentes do país que sonhou com o Sítio do Pica-pau amarelo, mas comeu a Chapeuzinho Vermelho e escravizou João e Maria.
Nosso país já não é nenhum conto de fadas, mas ao ver o desenrolar destes acontecimentos lastimáveis que a mídia amplamente cobriu para o horário nobre. Horário este em que as famílias liberais e antenadas deixam seus filhotes verem as peripécias dos Mutantes, às gracinhas nada limpas do Pânico e as boas ações da tal Flora - A favorita, cheguei à dolorosa conclusão de algo que previa e tristemente já havia constatado: acabou-se a infância, agora o que temos são versões com acne e muita imaturidade de Lucianas Gimenez, Xuxas, “Alziras” (da novela Duas Caras, lembram?) e mulheres-bala (ou seriam frutas? ahn, prefiro a primeira alcunha, pois são de matar e morrer estas fulanas) pelo lado feminino. Já como exemplos “positivos” da ala masculina temos diversos Dados Dolabella, vários Romários, e muitos rappers americanos, que gostam mesmo é de ter um canil só com “cachorras” (sic). Ou seja, com exemplos bem generosos como estes, com pais onipresentes como aqueles, ser criança hoje em dia não é fácil. É melhor pular dos 3 para os 18 anos, logo.
Já introduzo o amigo leitor na linha de raciocínio que me leva ao caso Eloá. Sou professora e lido com o Ensino médio estadual, em uma faixa etária já tradicionalmente confusa, perdida e arredia às sugestões de “adultos”, sejam estes seus pais, ou professores, ou mesmo um irmão mais velho de 18 anos. Quando vi os primeiros movimentos do seqüestro fatídico, minimizei. Cheguei a me aborrecer com a aparição da menina Eloá gritando em uma janela. Pensei: “Já vi este filme, minhas alunas também já fizeram papel parecido, uma chegou a sugerir ao “amor” adulto (ela, 15, ele, 28) que simulasse o seqüestro dela e a resgatasse com glórias (o namorado é PM) para que o namoro transcorresse em paz. A outra foi prá cama com três amigos do namorado só para provar que era mulher o bastante e capaz de realizar as fantasias dele (claro que o namorado-garanhão viu as transas com os amigos)...
Eloá, pára de gritar da janela!”Quanto mais saíam entrelinhas desta historieta Otelística (tinha até um Iago- as mães que batizam não sabem o peso de certos nomes que seus filhos recebem), mais eu me certificava de que estava algo claramente errado e obscuramente certo: Eloá foi rejeitada a primeira vez, simulou um suicídio e Lindembergue cedeu, voltou ao namoro. Ponto! Continua assim: aí ele voltou, ela quis dar o troco e terminou.
Vírgula e já eram namorados há três anos. Um ponto e várias exclamações: como uma menina de 12 anos “namora” um rapaz de 19? Com voltas pelo parque? Não, eu mesma respondo. Sexualizaram nossas crianças, e não foi a Malhação, as novelas ou até mesmo o Carnaval. Fomos todos nós, que em alguma momento da vida, achamos muito lindinho que o menininho diga, aos 5 anos, que vai namorar a priminha. E ainda incentivamos os beijinhos e abraços. Quando a menininha de 6 anos percebe como seduzir (mesmo sem saber a real dimensão da palavra, ela já sabe manipular fazendo beicinho) sua platéia, ora sendo exposta com roupinhas vulgar-família que a mamãe compra, ora dançando e sendo incentivada a cantar musiquinhas alegre-depravadas das festinhas familiares.
Aí, aos 10 anos, ambos os sexos recebem doses maciças de “informações midiáticas”, de conversas “esclarecedoras” de adultos em sua frente, isto sem contar com o comportamento “exemplar”, geralmente atribuído ao papai ou à mamãe que, se ainda forem casados, muitas vezes não se furtam a expor suas intimidades às crianças “que não são mais nenhumas criancinhas”, e se não forem mostram a quase toda hora uma “possibilidade” concorrendo ao cargo de “drasto, drasta”, seja má, boa, bom ou pior.
E destas crianças confusas, mentalmente instáveis, que ouvem e vêem tudo, que não possuem bases saudáveis e alicerçadas para escolherem este ou aquele tipo de relacionamento, é que vemos surgir crianças de 12 anos que namoram (com direito a beijo na boca de língua, tá?) em geral com seus pares de 12 anos, mas em algumas muitas vezes os eleitos, ou eleitas, são mais velhos e resolvem mostrar que já cresceram, sim, só não votam nem respondem a processo criminal.
E então, vemos as Eloás e Nayaras de 15, 16 anos “que amam muito”, que atestam ser “a mulher da vida” de fulano e sicrano (procure no site de relacionamentos do Orkut a própria descrição dada pela tal amiga Nayara, que também foi baleada, e em seu perfil se define uma “mulher completa”). Contemplamos estarrecidos aos Lindembergues e outros, saídos deste mesmo cesto ruim de formação, atirar em nossas menininhas ou menininhos...
Aí nos conscientizamos e lembramos que, a despeito de aconselharmos ao uso de camisinha aos 13 anos, a despeito de caras e bocas em diversas fotos incitando a uma sexualidade forçada precocemente e, sobretudo, mesmo que aquelas noitadas inofensivas na casa da amiga, ou de uma prima (quem nunca disse que iria dormir na melhor amiga e parou em uma balada com direito a saliências que atire a primeira pedra), que no fundo não eram tão inofensivas assim, as nossas crianças lascivas são apenas isto: crianças.
Elas não foram estimuladas a viver continuadamente sua melhor época, brincando de pique, bonecas, roda, bambolê ou apenas carrinhos, para terem fôlego suficiente visando aquela fase da vida onde siglas são mais importantes que o seu nome (IPTU,IPVA,DUDA, DPVAT,CEDADE,BRAT,UERJ, UFRJ, ENEM, PROUNI), mas sim foram exaustivamente lançadas à um caldeirão de perversidades que aparentam inocência, mas só traduzem sacanagem (sic) – “a boquinha da garrafa” e “senta e aperta” que os digam - sem contar com a propalada inclusão digital que, até ser espremida e dar um bom suco, só inclui acessos virtuais a um mundo no qual deveria ser visto aos 22.
Ou seja, nós também estamos matando nossas crianças, pois apertar o gatilho é o ato derradeiro para uma vida corrompida e distorcida. Não afirmo que seja o perfil de vida da menina Eloá. Mas, que me pareceu ah, isso me pareceu. E olha que eu nem falei aqui sobre as crianças que brincam de ser papais e mamães, mas acabam “não-formando” seus filhos (pois sua educação ainda não havia sido sequer concluída), porque isto, em pleno domingo friorento e abalado pela morte da Eloá, me faz temer o que o próximo outubro de 2009 possa nos trazer de triste.
Por Fernanda Barbosa
Publicado em Outubro de 2008
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