quarta-feira, 31 de março de 2010

“O último tango em Paris”

Ahn, La vie est belle, La vie est rose... Já dizia aquela antiga canção. Tudo o que vem até nós com a mínima referência francesa, afeta uma memória afetiva que ninguém sabe exatamente o motivo, um “je ne sais quoi” (“não sei bem por que, ou como”), que nos faz viajar na imaginação pela Torre mais famosa do mundo, seja por um aroma magnifiqueé de parfum français, seja pela letra daquela bela chanson que diz sussurradamente “não me deixes, não me deixes, não me deixes” (“Ne me quitte pas”), ou qualquer outra referência gaulesa a esta terra tão miticamente romântica, culturalmente bela e indescritivelmente enchanté (“Encantadora, encantada”).

A França é talvez uns dos únicos, senão o ÚNICO país, onde os homens exageram no romantismo sem medo de serem rotulados de gays. País do romance, da beauté, de Chanel, Cacharel, Saint-Laurent, Paco Rabanne, Dior, perfumes e roupas ma-ra, que nos deu a L’Oréal, a Citroën, o Carrefour, o croissant e etceterá. A França também nos brindou com algumas invasões territoriais, dos séculos XV até XVII, que possivelmente justifiquem este tal de ano França-Brasil (desculpe, chefa, eu avisei que iria avisar ao povo da verdade meio “Código Da Vinci” por trás desta fanfarronice) e também (particularmente o que eu mais AAAAMO) com o cinema francês.

A Nouvelle vague foi um movimento artístico do cinema francês que se insere no movimento contestador e próprio dos anos sessenta. No entanto, a expressão foi lançada por Françoise Giroud, em 1958, na revista L’Express ao fazer referência a novos cineastas franceses. Sem grande apoio financeiro, os primeiros filmes conotados com esta expressão eram caracterizados pela juventude dos seus autores, unidos por uma vontade comum de transgredir as regras normalmente aceites para o cinema mais comercial. Hoje, virou meio que moda o cineasta filmar e dizer que sua obra tem algo de “nouvelle vague”. Ponto pra França!

Eu até perdoo a França pelas invasões quando vejo filmes como O Corte, O Closet, Este obscuro objeto do Desejo, Meu melhor amigo, O fabuloso destino de Amélie Poulain, Maria Antonietta, Asterix, Je Vous Salue Marie, As diabólicas, A bela da Tarde, só para citar algumas preciosidades.

Ver nomes como Daniel Auteill interpretando o obsessivo chefe de família, que sai matando um a um os candidatos a uma vaga em grande empresa, e por quem de certo modo nutrimos simpatia, só não é melhor que ver este mesmo ator dividindo a bola com o Asterix e o “Cyrano de Bergerac” mais famoso do mundo, que atende pelo nome de Gerárd Depardieu e trabalha como colega de trabalho de Auteill, em outro filme mordaz sobre uma sociedade supostamente inclusiva, mas homofóbica até a raiz, como a nossa, atualmente. Não, não vou identificar os filmes propositalmente, para que você, leitor atento, se interesse e procure correndo, estas atuações tão particulares.

Eu ouvi um personagem em uma série televisiva um dia dizer que, o cinema francês era chato porque só mostrava a vida real e alimentava o sofrimento humano com muito carinho. E não pude conter um riso complacente – é a mais pura verdade. Os franceses, até quando querem ser inventivos e não autobiográficos (François Truffant, um dos inúmeros diretores franceses que admiro, é uma espécie de Glauber Rocha atormentado, não acreditava no maniqueísmo do bom e do mal, todos eram seres humanos) são sofridos, intimistas, peculiares e demonstram a vida do jeito que é, sim.

Até porquê, convenhamos, esta coisa de TODA A HORA o mundo EUA (é, já que quando acontecem coisas extraordinárias, para o bem e para o mal, os EUA esquecem que são apenas UM país no continente americano e acabam levando para as telas filmes improváveis como Fim dos tempos ou o O dia depois do amanhã) ficar sendo destruído e acabar salvando o resto do universo é um pé no saco, e nada melhor do que ver uma mulher linda como Catherine Deneuve, que chega a dar raiva de tão bela, discreta e elegante, traindo o marido como uma simples mortal e voltando para seu doce lar ao fim da tarde.

E já que elogiei o quesito superficial mais adorável, cujos franceses veneram, que é a beleza, como não falar de Isabelle Adjani, insubstituível em A rainha Margot, na década de 90. Ou da covardia que uma mulher como Carole Bouquet faz, com mulheres comuns como nós, simples mortais, sendo linda cada vez mais ao longo dos anos?
 
Claro que a natureza não foi generosa, e nem será, com todas as belas ao mesmo tempo. Sim, estamos falando dela mesma, o furacão Brigite Bardot, que prova também que podem mulheres belas ficarem a visão do inferno quando querem... Só quando querem! Duvidam?
 
O cinema francês tem consciência histórica, não grava qualquer historieta apenas pela bilheteria (reza a lenda que um dos diretores mais cabeças do universo cinematográfico francês, que atende pelo nome de Jean-Luc Godart, foi avisado que a igreja católica iria boicotar com seus fiéis aquele que prometia ser o filme mais herege e polêmico de todos os tempos, Je vous salue, Marie – onde uma paródia com a vida de Cristo, mas não uma paródia qualquer, uma paródia humana, plausível e adaptada para a sociedade da década de 80, de uma mãe solteira que come o pão que Deus torrou demais no forno até chegar a algum tipo de redenção – e ainda assim, não mudou uma linha sequer do que pretendia filmar. E mesmo seus diretores mais chegados ao universo hollywoodiano, como Luc Besson (dirigiu o cara mais espetacular para ser o Dr. House depois do Hugh Laurie, claro – o ator Jean Reno, em O profissional, e que até quis ganhar um dindim filmando películas como Nikita, Joana D’Arc e o Quinto Elemento) são bastante pessoais em suas direções e acabam imprimindo tanto esta herança cultural francesa, que no fim das contas se importam com a mensagem, e não com cenas impactantes, apenas para pagar peitinho, nem sexo gratuito fora do contexto, nem violência exagerada, para dar uma bilheteria vultosa sem ao menos se saber muito o motivo.

Um filme francês até pode virar um blockbuster (como foi o caso do que batiza esta matéria, e virou ícone de uma geração) mas nunca é concebido e gravado com esta intenção.

Eles, os franceses, conscientes de que seus filmes e diretores (tenho que encurtar, então cito alguns atores e atrizes franceses de todos os tempos, como Vincent Cassel, Alain Delon – Deus, o que é este homem hoje sessentão? - Anouk Aimée,Annie Girardot, Alain Resnais, Jean-Paul Belmondo, Carole Bouquet, Maurice Chevalier, Isabelle Hupert,Christopher Lambert, Yves Montant, Michel Serraut, Juliette Binoche, Audrey Tatou, Olivier Martinez – outro meu-Deus-do-Céu - Emanuelle Beàrt, Irene Jacob, Eva Green, Krzysztof Kieslowski - diretor polonês que filmou uma trilogia fantástica na década de 80 baseada nas cores da bandeira francesa e em seu lema principal histórico-, Fanny Ardant, Simone Signoret) criara sua própria versão do Oscar, para valorizar este que é um tipo de cinema conceitual, pessoal, realista e triste, essencialmente triste. Nem sempre existem finais felizes nos filmes, para nos lembrar que a vida é isto aí mesmo. Nem sempre o mocinho vence no final e casa com a mais bonita.
 
Enfim, se você ainda acredita na tal lenda urbana de “Ano da França no Brasil”, ao menos aproveite e tente entender Este obscuro objeto do desejo que é para mim, como para alguns, o cinema francês.
 
Por Fernanda Barbosa
 
Publicado em Junho de 2009

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