sexta-feira, 26 de março de 2010

Temporada de flores e de filmes

Prevendo a extinção dos jardins no espaço urbano, assim Cecília Meireles começa o conto “Primavera”: “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la”. Ao ler este trecho, me veio à idéia associá-lo ao destino dos poucos cinemas de rua que exibirão os filmes selecionados para o Festival de Cinema do Rio, entre 25 de setembro e 9 de outubro. Assim como os jardins estão perdendo seus canteiros para dar passagem ao tráfego cada vez mais intenso nas cidades, os cinemas de rua fecham para atender a outros paradigmas econômicos...

O calendário do Festival do Rio está totalmente inserido na estação do reflorescimento. Uma ironia para os cinéfilos que choram pelo Paissandu, Caruso, Jóia, Metro-Tijuca, Imperator, Guaracy, Baronesa e tantos outros cinemas que deixaram um vazio cultural enorme, principalmente nos bairros da Zona Norte e subúrbios do Rio.

O Cinema era o principal local de entretenimento dos bairros e a rua o prolongamento desse lugar de encontro, aonde se desenvolve relações entre os próprios usuários e o espaço. Ninguém saía do filme pensando em comprar uma roupa exposta na vitrine do Shopping, mas discutiam-se a fotografia, o desempenho do diretor, o melhor ator, ou seguíamos a caminho de casa com beijos e carícias iniciadas no escurinho da sala. Suntuosos, as construções hierarquizavam todas as demais, como índice que norteia, situa e contextualiza os outros recantos da cidade. Como exemplo, temos a Cinelândia, no Centro, que outrora fazia jus ao nome.

Na Cinelândia fica o Odeon BR, um dos poucos remanescentes fora de shopping. Sobrevive de patrocinador, que arca com a manutenção do prédio e sustenta os eventos. Com capacidade para 600 pessoas, o Odeon é o palco principal do Festival do Rio e da Maratona Odeon, sessão de filmes que acontece pela madrugada da primeira sexta-feira de cada mês. Além disso, o espaço se diferencia por exibir clássicos do cinema e filmes raros, e ainda abriga debates mediados por cineclubes. Um dos principais é o Cachaça Cinema Clube.

Na contramão do destino dos cinemas de rua, a sede do Banco do Brasil, que até a década de 1960 era considerado o edifício emblemático do mundo financeiro nacional, no final da década de 1980 foi transformado em Centro Cultural (CCBB). E nessa transação, o povo carioca lucrou com mais um espaço cultural voltado para multimídias e fórum de debates. Desse modo, o prédio que outrora era ligado às finanças e aos negócios, abre suas portas para a democratização do audiovisual, dando oportunidade para novos realizadores mostrarem sua visão de mundo. É o que prometem os alunos do curso de audiovisual da Central única das Favelas (CUFA).

Em sua segunda edição, o CineCufa mostra até o dia 21 de setembro, no CCBB, filmes totalmente produzidos, roteirizados e editados por seus alunos do curso de audiovisual da Cufa. O primeiro filme exibido foi “Ponto final”, gravado na Cidade de Deus. Segundo uma das curadoras do festival, a rapper Nega Gizza, “a proposta é mostrar a atuação da periferia não só como personagem à frente das câmeras, mas também como protagonista por trás delas”.

A abertura do Festival do Rio terá “Última Parada”, de Bruno Barreto, e encerrará com “Um homem bom”, de Vicente Amorim, que promete trazer ao Brasil seu protagonista, o ator americano Viggo Mortensen. Além desses, estão garantidos para a Première Brasil os filmes: “A erva do rato”, de Júlio Bressane; “Romance de geração”, de David França Mendes; “Romance”, de Guel Arraes; “ Pachamama”, de Eryk Rocha; “ A Guerra dos Rocha “, de Jorge Furtado; “ Todo mundo tem problemas sexuais”, de Domingos Oliveira; e o “ Homem que engarrafava nuvens”, de Lírio Fonseca.

Diante dessa maratona, concluímos que a Primavera não só vai trazer mais colorido à cidade, mas também vai aguçar nossos sentidos em direção às telas dos cinemas - de rua ou não. Assim, com o mesmo entusiasmo debruçamos sobre a janela para olharmos um jardim florido, esperamos ver no Festival o que de melhor está sendo feito no Brasil.

Por Maria Oliveira
 
Publicado em Setembro de 2008

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