sexta-feira, 26 de março de 2010

Entrevista - Luiz Carlos Oliveira Jr

Cineasta 

Luiz Carlos Oliveira Jr é um jovem cineasta, crítico e editor da revista online Contracampo. Conhecido no meio por seus textos bem elaborados, sustentados por alto conhecimento sobre a Sétima Arte, o cineasta recebe sempre convites para escrever ensaios para livros, catálogos de festivais e ministrar oficinas de crítica. Participou, por diversas vezes, de debates sobre filmes nacionais exibidos no programa Cadernos de Cinema, da TVE Brasil. Em fevereiro deste ano, foi selecionado para o Trainee Project for Young Film Critics do Festival de Rotterdam. Como diretor, Luiz Carlos já conta com dois curtas-metragens em sua cinematografia: Grumari, ainda em finalização, filmado no santuário ecológico do Rio de Janeiro, e O dia em que não matei Bertrand, baseado no conto homônimo do escritor Sergio Sant’Anna. Este último curta foi exibido no Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, em agosto deste ano.

Espetaculosas: Segundo os organizadores, o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo exibiu 381 filmes de 54 países em sua 19ª edição, que aconteceu de 21 a 29 de agosto em diversas salas da capital paulista, além de itinerâncias que acontecem no Rio de Janeiro, Recife, Jundiaí e São Carlos (SP) trazendo filmes premiados em Cannes, Clermont-Ferrand, Berlim e Veneza. Entre esse volume de filmes estava o seu curta-metragem O dia em que não matei Bertrand. Como diretor estreante, o que significou para você ver seu filme sendo exibido em salas totalmente lotadas?

Luiz Carlos: Ainda não sei bem o que significou. O que sei é que as duas sessões do festival a que compareci foram agradáveis ao extremo. É difícil ter a dimensão de uma estréia, você fica meses pensando em como vai ser a primeira exibição de um filme seu e quando acontece é algo singelo, você depois vai beber cerveja com os amigos, conversam sobre o filme. E prefiro assim, sem pompa, sem tom épico. É só um filme, afinal de contas. A sala estava cheia nas duas ocasiões, mas teria sido igualmente especial para mim caso houvesse pouca gente para ver o filme. Como Manoel de Oliveira sabiamente disse: um filme só fica pronto quando conhece seu primeiro espectador. E isso precisa ser encarado literalmente: basta 1 (um) espectador para o filme acontecer como obra. Que a sala esteja lotada e o evento em que o filme passa esteja sendo abordado pela mídia é interessante, aumenta a probabilidade de surgir um espectador que, diante daquele filme, vai realmente ser cativado. Mas o número de pessoas, em si, não é o principal. No Brasil, hoje mais que nunca, insiste-se nessa tecla do público, mas só se fala em termos de número, estatística, bilheteria. Quando no fundo o cinema não é como a TV: você não precisa de pontos de audiência. Se houver um único espectador na sala, a obra terá acontecido enquanto obra da mesma forma, ninguém irá tirá-la do ar. Mas aí já começa outra história, que fugiria da pergunta e daria laudas e laudas de divagações!

ES: Curta Kinoforum - Festival de Curtas de SP- anunciou resultados de sua 19ª edição, e o filme O dia em que não matei Bertran foi selecionado para o evento do Cachaça Cinema Clube, em um programa especial no Cine Odeon BR. Como você recebeu essa notícia?

LC: Isso significa que poderei ver o filme na minha cidade, em uma sala que tem enorme importância para mim. Ou seja, significa muito. Lá no Odeon organizávamos, nós da Contracampo em parceria com o Grupo Estação, um cineclube semanal. Vi alguns dos meus filmes prediletos naquela sala, a exemplo de Aos Nossos Amores do Maurice Pialat ou Juventude Transviada do Nicholas Ray. E tantos outros. Portanto o lado afetivo vai pesar bastante nessa sessão (até porque amigos e parentes estarão lá).

ES: Na seleção do Festival de São Paulo destacaram-se filmes ligados à temática “Política Viva”. Seu filme leva para o telão um conto produzido em 1973, época em que os intelectuais mais criativos driblavam a censura em prosa e verso. Ele mostra esse tempo ditatorial através do relacionamento entre um chefe arrogante e seu humilde funcionário que, oprimido por esse tratamento hostil do patrão, planeja matá-lo. Como foi a experiência de dirigir um filme cujo tema tão delicado fosse colocado em questão?

LC: Na verdade, nunca pensamos nesse filme como sendo político. E tampouco fizemos o link entre o ambiente opressor do escritório onde ele trabalha com a situação política da ditadura. Pode ser uma especulação interessante, mas de fato não esteve na gênese do projeto. Até porque a produção não se passa em 1973. Tem lá um anacronismo na cenografia, mas não é uma ambientação de época. Houve um momento em que pensamos transpor o escritório do Bertrand para o ambiente corporativo contemporâneo. Mas logo percebemos que a potência cênica do filme se desperdiçaria num ambiente envidraçado e clean. Precisávamos daquelas paredes escuras, aqueles objetos encarquilhados, aquele clima de uma firma que, embora não esteja propriamente parada no tempo (é informatizada etc e tal), remete a uma atmosfera démodé. Caso tivéssemos feito o filme numa empresa de visual moderno e grande, talvez chegássemos mais perto de um clima de ditadura. Vejo mais opressão e controle nessas megacorporações, onde você sequer conhece o rosto de quem manda, do que naquele ambiente apertado, claustrofóbico, onde o protagonista não só conhece o rosto do patrão como tem acesso à sua sala e pode enfrentá-lo. O lado derrisório do personagem está um pouco aí: ele quer matar alguém que lhe é indiferente. E embora seu ódio seja pré-justificado (caso tomemos o patrão como o signo de uma estrutura opressora, e não como pessoa de carne e osso), por outro lado é impossível justificar pelas ações dramáticas em si (matar aquele homem? Por quê? É só mais um patrão entre milhões de outros).

ES: Quais foram suas maiores dificuldades para dirigir seu filme, em termos técnicos e logísticos?

LC: O filme impôs poucas dificuldades, felizmente, do ponto de vista logístico. Uma vez encontradas as locações, das quais a mais complicada era o prédio da Central do Brasil, tudo transcorreu de forma tranqüila. No último dia de filmagem, tivemos problemas com um gerador e a jornada de filmagem acabou se prolongando abusivamente. Ficamos quase 24 horas direto no set. No final, estavam todos exaustos – mas isso curiosamente contribuiu para o resultado do filme. Se você observa a primeira seqüência (que foi a última a ser filmada), o ator está fisicamente consumido, e isso combina à perfeição com sua personagem insone, ansioso, paranóico, delirante. O set de filmagem é um complexo conjunto de forças, e muitas vezes esse tipo de situação “adversa” pode se reverter a favor da produção e contribuir para a energia e a força que a obra, uma vez exibida na tela, apresenta ao espectador sob a forma de evidência física, percepção, estética. As maiores dificuldades que tivemos foram de ordem criativa, ou seja, a “boa” dificuldade, aquela que é instigante e nos obriga a pensar e repensar as cenas. Lembro que a seqüência do estacionamento só foi decupada minutos antes da filmagem. Tudo isso tem sua contribuição no processo.



ES: O cinema brasileiro anda com seus 6,9% de taxa de ocupação no mercado, uma fatia muito pequena em relação aos filmes estrangeiros. Essa estatística desanima os novos diretores?

LC: Não. Desanimar por conta de números seria colocar a carroça na frente dos bois. A relação entre o cinema brasileiro e seu público é completamente esquizofrênica e impossível de se explicar através de porcentagem. Os novos diretores devem simplesmente fazer seus filmes, mas fazê-los com o máximo possível de entrega, honestidade, paixão, reflexão. Toda obra de arte que preenche esses pré-requisitos encontra seu espectador. Nem que seja apenas um. E, como eu disse lá em cima, se for um espectador que reenvia ao filme essa paixão, essa honestidade, essa reflexão e tudo mais, já terá valido a pena.

Por Maria Oliveira

Publicado em Setembro de 2008

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