sexta-feira, 26 de março de 2010
O pecado de todos nós
Ao ouvir falar pela milionésima terceira vez sobre o caso de Isabella Nardoni e seu pai e madrasta, e mãe e irmãozinhos, e tios e vizinhos, e testemunhas... uma impressão não desgruda da minha idéia: a culpa deste crime, como de vários outros que acontecem a toda hora, em cada esquina escura do Brasil, ou em quartos bem iluminados, ou em plena luz do dia ou em plena falta dela, é sua, é minha, é nossa, amigo.
Nossa, pois achamos a maternidade um acontecimento sublime e maravilhoso, o advento de ser pai ou mãe é simplesmente (ou deve ser, já que não sou nem um nem outra) uma experiência sem par... mas esquecemos de alguns detalhes importantes neste percurso. Um dos primeiros é que sexo TAMBÉM serve para a procriação, mas a maioria esquece, na hora do maior enlevo e ardor nos braços de outrem, que PODE acontecer um filho. O outro detalhe, mínimo, é que gerar um filho ou contribuir com seu espermatozóide para esta gestação não faz, necessariamente, alguém ser “pai” ou “mãe” de fato.
Cresci ouvindo, na minha distante infância setentista/oitentista, que “pai e mãe é quem cria, quem cuida, quem ensina” e não “quem pariu”...me soava estranho, mas com mais alguns anos e algum contato com um sem-número de crianças nascidas de uma gravidez “indesejada”(a frase mais nonsense que ouço desde aquela outra “ não queria que isto acontecesse”- meu amor, se você deitou, rolou, não usou contraceptivo, e nem ele, preservativo, reze. Reze muito para vingar outra máxima da minha infância bem nonsense, que também dizia “só engravida quem tem saúde”- quem tem saúde e quem tem um óvulo e um espermatozóide, né?). Comecei a dar razão a tal frase sobre criação, meio preconceituosa no início, mas plena de sabedoria, no fim. Ou seja, é culpa nossa também, achar “lindo” quando aquela filha adolescendo ainda ou o filhão garanhão, ou qualquer outro jovenzinho que seja bem próximo a nós nos comunica bem feliz e satisfeito com a obra-prima: “to grávida! Vou ser pai!”Ahn, Fernanda, já posso até ouvir algum amigo falando, fazer o quê? Censurar? Tem que dar apoio em uma hora dessas...
Concordo, até porque gravidez não é doença e a criança não tem culpa do que irá encontrar aqui. Agora, sejamos sinceros, esta atitude amorosa e cabeça-feita vai ajudar ao tal casal e o bebê em questão no máximo até ele nascer, ou um pouquinho depois, ou quem sabe, até antes do parto. A culpa é nossa de não avisarmos para estas crianças-pais ou jovens ainda sem terminar o secundário que uma vida agora depende deles, DEPENDE PARA TUDO. Não há mais a mesma vida depois de um filho, aquela de festas, badalações, se esbaldando por aí na night... e nem me diga que “ahn, péra lá, eu curto tudo isto com meu filho” que isto também não é sinômino de educação eficaz e eficiente – é loteria, pode ou não dar certo você continuar com uma vida de sonho de solteiro(a) e ainda assim criar MUITO BEM um filho.
Mas qual a ligação com o caso desta pobre menininha sorridente que sempre vemos no Jornal Nacional? Bem, sou uma psicóloga autodidata, perneta e meio radical, mas vamos lá: nas minhas equações, se a menininha tinha 5 anos, o pai foi “pai” aos 24 anos, a mãe foi “mãe” com 19 anos, ambos nem trabalhavam ainda, segundos fontes apuradas, e a madrasta (coisa mais clichê, hein, em um caso destes existir uma madrasta má), aos 24 anos também, já é mãe 2 vezes, de um bebê e de um menininho de quase 4 anos. O que tem haver isso? Com 18 anos tem muito rapaz e moça que é arrimo de família e tem várias responsabilidades, concordo. Mas lembra da regra que eu disse acima? Ninguém jovem, sem ainda ter nenhum futuro estruturado, sem ter todos os estudos que gostaria concluídos, ao saber que será pai ou mãe biologicamente, necessariamente assume para si esta atribuição que não é fácil. Balela este negócio “onde come um, comem dois, vou abrir mão de uma roupa para meu filho ganhar brinquedo”.
Quando você faz aquele sexo incrível com aquele alguém desejado, nem passa por sua cabeça que daqui a 6 anos você pode ter que estar numa festinha chaaaaata de aniversário levando o fruto daquela relação consentida. Paciência e abnegação deveriam vir no pacote de gravidez, mas em geral não vem, tem que ser comprados, às vezes custam caro, às vezes custam vidas. E aí entra o pecado final: em um enredo com gente bem-nascida, saudável, nós achamos monstruoso que o pai Alexandre tenha possivelmente tirado a vida da filhinha para encobrir alguma violência da madrasta, aquela pérfida.
Monstruoso é sermos hipócritas e acreditarmos que, quem foi pai “sem querer’, vai abrir mão da sua vida sexual ativa e jovem, incluindo aí mais dois rebentos de uma mocinha novamente, para cuidar com deslevo de uma filha “muito amada” (como ambos afirmam e reafirmam, a toda hora) quando nós mesmos nos pegamos dizendo muitas vezes “que filho não me prende, nem me impede de namorar ou sair, não” - e atire a primeira pedra aquele que tem filhos e nunca se pegou dizendo esta frase-chavão. Nosso pecado é ver apenas o ato final desta verdadeira tragédia grega anunciada e nos “surpreendermos” com a morte da doce menina. Nossa juventude, nascida de tempos arejados e pais modernérrimos que dividem a educação, as contas, e mais alguma coisa que tenha dígitos, quando não estão juntos, é uma juventude que acredita piamente que se eles se criaram com tv, Internet, liberdade e alguma falta de senso familiar, eles também podem repetir a mesma fórmula- afinal, eles são apenas em sua maioria (há uma exceção primorosa em alguns lares) arrivistas, um pouco irresponsáveis, egoístas, despreparados para a vida, sem consciência política e muito menos social, e isto não mata, né?
Mata, meu jovem. Mata sim!
Por Fernanda Barbosa
Publicado em Maio de 2008
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