sexta-feira, 26 de março de 2010
“Eu tenho um sonho”
1968 é considerado um marco na História Mundial. Ou não. Fatos irrefutáveis comprovam a primeira afirmação e servem até hoje, principalmente neste ano de 2008, onde a data comemora 40 anos, e vários eventos, shows, peças e filmes foram lançados para celebrar e nunca deixar que se esqueçam os mais moços do ano de 1968. Ou não.
Explico-me: para uma parcela da sociedade, apesar de toda a carga histórica e política que as lembranças de 68 trazem à memória, e mesmo que socialmente as mudanças ocorridas neste ano sejam a pièce de resistence da maioria dos best-sellers, músicas e CD’s gravados de diversos artistas variados, este ano não é exatamente uma unanimidade para todos os viventes (ainda bem! pois nosso amigo Nelson já dizia que toda a unanimidade é burra!) e muitas lembranças eles preferiam ver soterradas a ver destacadas em peças, livros, canções e outras.
O cenário cultural, então, deixou marcas na contemporaneidade, lógico, pois quem hoje tem seus 40 e mais anos de vida não esquece o bocudo Mick Jagger, o cara que é pai do filho da Luciana Gimenez!, exorcizando tudo de ruim que acontecia naquele fatídico fim de década com a sua sensual Sympathy for the Devil (que confesso, já foi ringtone de meu celular...e olha que eu sempre preferi os Beatles...)
E por falar neles, as maiores bandas covers de hoje em dia ainda rendem graças e homenagens dignas de divindades ao famoso “Álbum Branco” dos Beatles, e os besouros arrasaram mesmo nesta obra. Mesmo que o LP seja considerado o início do fim da união dos fab four mais famosos do mundo, e que seja alvo de polêmicas bem típicas dos anos revolucionários da década de 1960 (já que Charles Manson e seus seguidores, que assassinaram a atriz Sharon Tate, mulher de Roman Polansky, pixaram com sangue a cena do crime com o nome das canções do álbum, Helter Skelter e Blackbird, causando horror aos fãs mais dedicados de Paul), a obra oferece uma faceta mais ideológica e afinada do grupo que o torna alvo de idolatria ao redor do mundo.
Lá fora, no país-sede de todas as mazelas mundiais (e assim já falavam em 1968! Certas coisas nunca mudam...), ou melhor, os EUA, assassinavam Martin Luther King, a porção Mahatma Gandhi afro-americana que estava ali para defender as minorias, repudiar as diferenças e ensinar a luta pacífica... Que foi calada duramente por um suposto ex-presidiário branco racista. Mas seus conceitos, atemporais e pacifistas, ainda hoje inspiram milhões, nem que seja aquela frasezinha gravada no seu perfil do Orkut que diz "se você não está pronto para morrer por alguma coisa, você não está pronto para viver”... Mesmo sem saber, ainda existem jovens embalados pelos ideais do homem que inspirou canções e um dia afirmou “ter um sonho”.
E para encerrar, o mundo nos deu Jimi Hendrix, memorável em seu álbum "Electric ladyland". Surgiam Deep Purple, Led Zeppelin... E o mundo nunca mais seria o mesmo ao ouvir Stairway to Heaven, lançada 3 anos depois do surgimento da banda.
Ahn, você percebeu que pouco falei do Brasil, né? Talvez até algum fã mais xiita do ministro – cantor pai da Preta Gil, o Gilberto, e mais alguns “loucos” pelo Chico Buarque, esteja com muita raiva de mim mesmo... E confesso que aqui entra a falta de unanimidade da qual falei no primeiro parágrafo: no Brasil sofria-se com o AI-5 e suas duras restrições à liberdade de imprensa, e escrita (vamos lá, pessoa discordante: hoje em dia até que faria bem um pouco de repressão a certos noticiários e certa exploração midiática bestializada), manifestações de movimentos estudantis e de arte revolucionária marcaram o Brasil em 1968, e para mim, foram o início de um fosso cultural que fazem até hoje pessoas “admirarem cantoras” como a mulher-melancia ou a importada Rihanna, que canta sobre o seu guarda-chuva.
Explico-me melhor: esta turma tão produtiva em 1968, e nos seguintes anos, foi uma turma hipervalorizada no mercado nacional depois da abertura política e adquiriu um status mundial pouco alcançado por cantores fenomenais como Dick Farney, Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas, Dolores Duran, só para citar alguns antecessores seus. Entretanto, como o contexto político lhes favorecia inspirando as canções-resistência contra a ditadura e a sociedade, duramente oprimida, admirava o visual espalhafatoso e multicolorido apresentado pelos festivais da canção, que inclusive naquele fatídico ano de 1968, foram a febre da juventude “politizada” e cabeça da época. Apoiava as letras ambíguas de Chico e seus amigos Tropicalistas, a galera do cenário musical desta época tornava-se o ícone de uma geração que era contra o “cálice”, ops, o “cale-se” em geral... E foi desta geração descolada e revolucionária que saiu a nata da elite zona sul carioca, principalmente, que paga qualquer preço para ver o ministro resolver os problemas culturais do país no Canecão, ou ver o sorridente Veloso dar bombásticas declarações sobre qualquer-coisa, ou até torcer pelo Polytheama, o seleto time de futebol “recreativo” de Chico Buarque.
O que isto tem a ver? Tudo. De ícones de resistência ideológica a legítimos totens da burguesia deslumbrada – que - sofreu muito - na ditadura- e – que -agora-prefere-o dolce far niente dos holofotes e a consagração devida, como um tributo para seu sofrimento na história da ditadura brasileira.
O cenário brasileiro foi inovador neste período em partes, os músicos colocaram guitarras em músicas essencialmente brasileiras, as letras induziam à reflexão, óbvio que o período não foi só de Chicos, Gil e Caetanos. Houve bons lançamentos que perduram até hoje, como Geraldo Vandré, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Tom Zé e o poeta Torquato Neto. Mas, particularmente não celebro como a maioria do estrelismo da turma do ministro e seus convivas.
Roberto Carlos e sua turma, a meu ver, e olha que não sou fã do Rei, foram mais geniais com a jovem guarda no mesmo período. Até porque para mim cultura e engajamento, são um par pra lá de afinados. Mas, você ficar décadas cantando o desespero de uma época ou usufruindo financeiramente horrores como se fosse um símbolo cabalístico do fim dos tempos de um ano só, para mim, não tem nada de genial.
E se hoje a produção musical no Brasil anda limitada, enxovalhada e entupida de Beoyncés, ainda credito parte da culpa ao pessoal Tropicalês que se tornou uma elite cultural muito particular na década de 80 e virou objeto de culto fechado em teatros caros e casas de show idem.
Ainda prefiro o feio do Jagger se apresentando assim: “Prazer em conhecê-lo / Espero que adivinhe meu nome / Mas o que está o confundindo / É a natureza de meu jogo.” Ou estas seriam palavras do cantor Gil?
Por Fernanda Barbosa
Publicado em Junho de 2008
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